Última alteração: 2019-06-02
Resumo
Museus de saúde, abrangentes ou disciplinares (medicina, história da medicina, farmácia, enfermagem etc.) abundam ao longo do planeta e surgem, tipicamente, acompanhando a acumulação de cultura material das práticas científicas e acadêmicas de saúde ao longo do tempo. Há também diversos outros museus e centros de ciências abordando saúde de forma mais didática e conceitual. Porém, observando os objetos musealizados nessas coleções ou as abordagens conceituais nos museus de ciência, percebe-se uma coisa em comum: uma visão homogênea, biomédica e hegemônica de saúde, mesmo quando em perspectiva histórica. A visão contemporânea de saúde já admite múltiplas concepções do binômio saúde e doença e, inclusive dentro das normativas do Sistema Único de Saúde e da Atenção Básica à Saúde, considera as práticas de saúde como manifestações culturais, de forma que exige a compreensão, pelos profissionais de saúde, das manifestações culturais locais de saúde. As práticas tradicionais de saúde são produto de profundas relações das populações com seu território, e elas próprias, ao longo de um processo histórico, originaram as práticas biomédicas contemporâneas. Por que então, estas práticas, que persistem no mundo contemporâneo, estão relegadas às coleções etnológicas e etnobotânicas e não de saúde? Ao entender saúde como prática cultural, estas podem ser admitidas como patrimônios de cada local, intangíveis (os conhecimentos, sabedorias, preparos, usos etc.) e tangíveis (produtos, plantas, artefatos, utensílios, objetos, beberagens etc), passíveis de musealização, documentação e colecionismo. A presente pesquisa busca conhecer práticas populares de saúde de populações ribeirinhas no Tapajós, Pará, e como essas práticas se relacionam com o sistema de saúde pública/biomédico. Ao realizar um inventário co-participativo desse patrimônio, pretende-se formar uma coleção de objetos e informações bioculturais, etnobotânicas e da sabedoria popular de saúde, entrando em diálogo com conceitos como a museologia do oprimido, a sociomuseologia e a decolonização, de forma a abordar práticas populares de saúde como o que são, práticas de saúde e não exóticos e atrasados artefatos e preparos. Discute-se abordagens decolonizatórias e de valorização patrimonial, passíveis de decolonizar o próprio pensamento e práticas museológicas e científicas, contribuindo para a mudança social das comunidades de onde esses conhecimentos são originários.